24.4.11

e a viagem lá foi andando

Quantas pessoas estariam em casa do morto, estava morta por saber desde que a apanharam em casa    hoje à tarde a prima da Cíntia, que só ia com eles para não ficar o fim-de-semana inteiro sem nada para fazer e sem ninguém com quem estar, porque ela não conhecia o coitado que tinha morrido. Como conhecia há mais de vinte anos a amiga dele, por virtude de serem primas, deu-se-lhe para ir, mas só se lhe deu mesmo à última, quando os outros três já estavam a caminho e tiveram de voltar a casa dela, tendo ela antes pegado no telefone e ligado e dito acham que ainda vou a tempo de dizer sim, ou não? E eles tenham resmungado olha esta, que coisa, que falta de coisa, ainda por cima, agora esta, é deixá-la ficar, se não quis vir não vem, mas elas agora quer e além disso é minha prima e vai ficar sozinha, defendeu-se a Cíntia e defendeu a prima, e o Heitor que não ia no bancod e trás porque enjoava já estava a dizer ela vem, mas não me vem tirar o lugar, vá ali para o lado do Alfonso, e olhou pelo retrovisor esticando o pescoço até conseguir ver o lugar vazio nas costas da condutora, a prima, a dona do volante e senhora da conversa. Quantos pessoas estariam em casa do morto, enchia a cabeça com isto cá fora, pois lá dentro nenhum dos outros três podia voltar ouvir a mesma pergunta que da última vez que a vez, até o Alfonso, o mais calado dos dois homens, abriu a sua parte na conversa para dizer sei ou o caralho e depois daquilo não houve mais moral para interrogações. Retirou a mangueira do carro, pagou os dez euros da conta com os dez euros enrodilhados da mão direita, arranjou a franja antes de a porta de vidro se abrir pela aproximação do seu corpo ao sensor e no seu andar, porventura ninguém o diria, caminhava uma dor patológica, uma incerteza absoluta, os miolos devorados por não saber ao certo, nem de longe, nem de perto, do tamanho do funeral. Reentrou no carro, isto dá cada vez menos litros, queixou-se da gasolina, assentindo as outras três cabeças. Seguiram viagem.

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Bob Dylan

Aquele bendito instrumento musical, a máquina de escrever, e os seus botões de onanizar tímpanos, as teclas, corpos fora do corpo,...