12.5.10

59 segundos

Mulheres e homens sintonizam o mundo em frequências distintas. Ficaram elas com o corpo mais perfeito, graças a deus há quem diga, e ficaram eles com a capacidade de observar e absorver a beleza a partir de fora, graças a deus há também quem diga. Ficaram eles destinados ao pensamento e à força desde os primórdios dos tempos, reza a história, ficando a elas consignados o zelo do lar, o cuidado dos filhos e quando sobrasse tempo, o tratamento da beleza das próprias. O mundo foi assim durante muito tempo até que um dia o mundo se fartou de ser assim e ainda bem. A coisa agora anda mais ela por ela no entendimento da comparação entre homens e mulheres. Quase todas as tarefas, obrigações, direitos, deveres, profissões têm os dois sexos. A sociedade “bissexualizou-se” depressa e bem como dificilmente há quem. E até aí tudo bem! Agora… chegar ao ponto onde nas bancas dos jornais salta aos olhos (e cabelos e boca e nariz e cérebro) uma revista a dizer às mulheres que é possível mudar de vida em 59 segundos… A dizer e a espicaçar a fêmea no sentido de a fazer conjugar o verbo mudar em excesso de velocidade. Isso é entrar sem carta de condução num carro sem travões nem direcção assistida. Diz um homem, incapaz de mudar de cuecas em menos de um minuto

1986

Lembro-me de ter os cabelos compridos com cheiro a fumo de cigarros. Lembro-me que era de manhã e estava frio, muito frio, frio ao ponto de ver na respiração o estilo dos fumadores. O meu pai e eu caminhavamos com a pressa dos que não querem mesmo mesmo chegar atrasados. O tabaco dele vinha sempre à baila nas conversas quando alguma senhora se chegava para me dar um beijo e dava mas dizia ó rapaz até parece que também fumas. E fumava, expelindo o ar quente dos pulmões entusiasmados em direcção à brisa gelada, afinal era um miúdo a quem o pai tinha levado para o acompanhar a um comício de uma campanha eleitoral. Neste primeiro ou segundo sábado de 1986, o rapaz de onze anos tinha a certeza de ser um homem informado, ciente das escolhas sociais adequadas à política que estava a fazer falta ao país. Um homem de sobretudo no palco pegou no microfone para chamar o Diogo Freitas do Amaral. Nesse dia vi pela primeira vez o antigo líder do CDS.
Uns meses mais tarde, no dia em que fiz 12 anos, a 9 de março, o Mário Soares tomou posse como Presidente da República, depois de ter vencido as terceiras eleições presidenciais desde o 25 de abril de 1974. Nesse dia atribuí parcialmente a derrota do Freitas ao facto de eu, e de tantos outros como eu na minha escola, não termos à data idade suficiente para votar. O melhor daquela manhã na praceta 25 de Abril, em Vila Nova de Gaia, foi ter passado o tempo todo de mão dada com o pai. Já nem me lembro da úlima vez em que o fiz.
E também não me lembro da última vez em que estive nas proximidades do Diogo Freitas do Amaral. Vou estar com ele esta noite. Gostava que no comício de 1986 ele nos tivesse dito que um dia ia ser ministro do negócios estrangeiros pelo PS. Depois o tabaco faz mal à saúde.

A sanfona não é um banco

A avenida da Boavista, nos dias bons, tem momentos iguais aos números de magia. Ela consegue ser aquele truque dos intermináveis lenços puxados pelo ilusionista. Aquilo nunca mais acaba. E isto também não, a capacidade de repetir os dias, repetindo rotinas às centenas de milhares, havendo em todos dias instantes que nunca tinham sido “publicados” antes.
Hoje andava um cão branco com um cesto pequenino na boca. Os dentes seguravam o arame. O cão estava sentado ao ombro de um homem moreno, extraordinariamente novo para aquele papel e invulgarmente baixo para quem já tem mais de 20 anos. O tacanho torso do pedinte não cumpria por ali a missão. Tinha na posição de uma mochila colocada à frente uma sanfona onde faltavam teclas. Os dedos dividiam tarefas entre a construção de um ruído pobre e o botão do semáforo que é como um requirimento para pedir verde para os peões e vermelho a travar as rodas do trânsito. O homem da sanfona nunca pedia dinheiro a quem passa a pé junto a três hotéis de cinco estrelas. Olhava na direcção dos carros como quem via mealheiros ambulantes. E batia nos vidros com o queixo. Tocava na sanfona com as mãos e ajudava ao balanço com um joelho. O cão esticava o focinho na mesma esperança dos pescadores quando a rede vai ao mar. Chamar um ilusionista era capaz de ser mais bem escolhido, se para ali estão com a ideia de ver moedas no ardil.

28.4.10

O antigo fiscal do mercado de Vila do Conde

Da lista de coisas que um homem não deve fazer ou dizer em público, esta vem à cabeça e menciona a proibição das lágrimas no sexo masculino. Mas não me contenho e não as contenho: ando com vontade de chorar desde ontem à noite.

Vai fazer cinco anos em Maio. O antigo fiscal do Mercado de Vila do Conde já está meio impaciente quando lhe chegamos à porta. A velhice em vez de lhe ter levado o cabelo, pintou-o de branco. A pele tem a cor saudável da beira-mar. Está muito bem posto para um homem de 70 anos. Nesse dia de 2005 talvez estivesse mais consumido pelo nervoso miudinho, é que a televisão quase não o via sem ser a preto e branco e sem ser um homem dos anos sessenta, de calções e camisola de manga curta, de meias pelos joelhos, com uma bola branca na mão. E ele, mais baixo do que a bandeirola de canto, juraria nesse princípio de tarde e a pés juntos, que quando pé direito encostou da bola disse logo :"é golo". Estamos a falar da única vitória europeia do Sporting. Estamos a falar na final da Taças das Taças de 1964, em Antuérpia, com o MTK da Hungria. Estamos a falar do cantinho do Morais. Estamos a falar com ele.

O céu de Vila do Conde partilha nuvens brancas sobre um fundo azul pálido. O lugar é o parque da cidade e ao lugar chamaram Parque João Paulo II. Sigo pelo carreiro e tenho ao meu lado o João Morais. Ele recusa qualquer ajuda ou amparo para fazer o percurso. A perna esquerda cedeu à passagem do tempo e faz uma curva para fora. O ângulo do arco podia ser o mesmo daquel eem que a bola saiu do pé direito, num canto batido à esquerda do ataque, e foi morrer junto ao poste mais longe, onde está a parte lateral da rede da baliza. Por momentos não estou em mim. Sigo passo a passo em confidências sobre futebol e a vida com o homem que um dia deu a Sporting a primeira e única taça europeia. 

Ontem à noite o telefone tocou para dizer que o Morais tinha morrido. 
Andei com a fita das cassetes para trás e para a frente para me lembrar que o João, que insistiu para o tratar por tu,  deixou o Sporting em 1969 e que esteve 36 anos sem pôr os pés em Alvalade :" só vou onde sou convidado". 
Quando estamos a falar do golo, do cantinho do Morais, ele diz que o golo não é dele e que o disse logo no campo quando os companheiros iam gritando ei grande golo: ""Não foi meu. Foi de nós que estamos aqui e dos que estão ali no banco". Sobre os leões no presente, dizia apenas isto: "eu não devo nada ao Sporting. O Sporting é que me deve a mim".

Nesse dia o João tinha 70 anos e estava aposentado. Despedimo-nos com um abraço e jurámos marcar um almoço que o tempo acabou por não confimar. Lembro-me de ter ficado todo empolgado para ouvir  no encontro seguinte as histórias do homem quando o homem era o antigo fiscal do mercado de Vila do Conde. Contaram-se cinco anos desde esse dia... muito mal contados, diga-se, agora que os segredos já não respiram.
Até sempre amigo

20.4.10

Obras

Quando o sol chegou para o almoço, apontado chão na vertical, cinco homens largaram as mãos do trabalho e partiram em dois grupos. O martelo e o cinzel de cada um ficaram pousados no chão, por cima dos blocos rectangulares de granito; de cada um , e de ferramentas falando, só as fitas métricas e os lápis evitaram ficar ao abandono: umas de pendura no bolso das calças e uns como se fossem a única haste de óculos imaginários. São as leis da natureza do código genético de um trolha.
O mais pequeno dos grupos, não era bem um grupo, só tinha dois homens. As rugas na testa do mais moreno diziam a quem passava um dado adquirido nas observâncias da dor: a fome, em determinados estados psicológicos, é um conceito inexistente. E por mais que o corpo esteja a ir à vida, uma cabeça dorida só tem nevoeiro diante dos olhos. O mais baixo e mais branco - e mais gordo - dos dois, ficou por perto, trocando a marmita pela força, a comida pelo apoio ao amigo. Estiveram dois minutos, sentados de lado para o mar e frente um para outro, a conversar com o volume adequado às palavras ditas em segredo, que nada, mas nada tinham a ver com o barulho do martelo no cinzel e do cinzel no granito. Desceram os degraus da meia laranja da praia da Granja e foram partir pedra. Em todos os sentidos atribuídos à expressão. 
Neste inverno, particularmente neste inverno, o mar cantou uma letra do Carlos Tê, alterando aqui e aqui o refrão, roendo uma laranja da falésia. Desfazendo a costa da Granja e em particular os degraus em pedra da meia laranja.
O outro grupo entrou numa carrinha branca e distribui-se da seguinte forma: um homem por cada uma das filas de bancos da Transit de nove lugares. A marmita de metal encostada ao volante tinha a sopa que a colher levava à boca. No meio, na tira de lugares mais escancarada pela porta de correr, uma cerveja sugada pelo gargalo estava na hora de se transformar em arroto. Da fila de trás só se ouvia a língua no céu da boca, se é que àquilo se pode chamar mastigar.
É provável que obra fique concluída antes do fim da primavera. Há quatro anos, em França, num estúdio de gravação, sem martelo, lápis, cinzel ou fita métrica, um grupo de músicos, de cantores e de cantoras, pegou numa série de músicas por eles escolhidas e realizou as obras necessárias até ficar concluído um disco chamado Band à Part. Hoje levei-o para correr comigo, protegido por um Ipod, e ele foi a banda sonora para o clip de imagens fornecido pela casualidade do percurso. Num dos troços de piche havia um cd partido, parecido com um queijo com uma fatia a menos. Esse nem os Nouvelle Vague conseguem consertar. E os senhores da Granja ainda menos.

19.4.10

Veraz

Hoje. Hoje tomaste por decisão a vontade em dar ao corpo a ordem de perder quilos. Hoje, já agora e posto isso, talvez fosse preferível fazer emagrecer o conteúdo das frases, limitando-as ao estado suficiente, a respeito do nível de entendimento.  Hoje, em continuando assim, não vai dar para lá ir, ao lugar onde se esclarecem circunstâncias. É como se houvesse a necessidade de se dizer sempre azul mais amarelo quando se quer dizer verde. Entrega às frases a mesma solução encontrada hoje de manhã para resolver o corpo. Põe o texto a suar. Faz da verdade um fogo sem artifício.
A realidade é que o título foi encontrado por acaso num romance espanhol, repetido ao longo de linhas  e reaparecendo em páginas diversas, afirmando e reafirmando que "só o artista é veraz". Verdadeiro. Que diz a verdade, conta o dicionário quando se põe exposto diante dos olhos.

30.3.10

Elisabete de Nápoles

Nesta novela de época, quando os barcos se apontam ao  mar e os panos caem das retrancas, lá no fundo da imagem do porto, está com ar de morto, o homicida natural de Pompeia: o Vesúvio, o único vulcão da europa continental. Nos dias em que a terra lhe dizia para  mergulhar no mediterrâneo, ninguém queria ficar para ver, que isso de ficar para ver era esperar para assistir à própria morte. Foi num ano do meio do século XVII que famílias inteiras rolaram das montanhas com a pressa de quem vai à bolina do destino, seja lá ele onde for, sendo que neste caso uma carraca portuguesa estava a levantar a âncora, de uma viagem em que vinha da Índia e que iria ter fim na alfândega do Porto. Corridas pelo ralho do Vesúvio, famílias vieram em cima e ao lado dos sacos de especiarias. Entre elas vinha Elisabete, jovem mulher de uma cidade mediterrânica, que se presumiria ser de pele tingida pelo sol e de cabelo negro com a lava do vulcão. Acontece que não. O feminino da nobreza tinha estado guardado num castelo, prometida que seria a um príncipe. Como o sol não sabia saltar para lá das pedras, nem tinhas a chave dos portões de madeira, a pele de Elisabete era pouco menos branca do que o vestido que hoje veste. Os cabelos tinham sido amarrados para lhe fazer mostrar o rosto e os cabelos tinham a cor do ouro. Reza a história da carraca portuguesa, barco de transporte de mercadorias, que o bem mais precioso de um Fernando teria saído do porto napolitano em mil seiscentos e qualquer coisa.
Fernando espera junto a uma mesa, a meio de um relvado, com os olhos dividos entre o relógio e a entrada da quinta. Às tantas a espera já parece ser de séculos, quando do nada surge uma marcha nupcial e com ela vem uma loira vestida de branco. Dirá a senhora do registo civil, para surpresa de quase todos, que a noiva tem nos nomes o nome de Elisabete de Nápoles. E que o noivo Fernando também é Agostinho. Os amigos sorriem e eles, alheios e felizes, beijam-se e parecem trepadeiras. Quem não os conhecer, dirá que não se viam há uma eternidade.

29.3.10

Ainda há homens que casam com mulheres

Quando a música chegou ao fim naquela vez, o disco tinha tocado dez vezes. A música era o ar. Invisível como ele, sem cheiro, sem a menor hipótese de consideração palpável. E o coração, se o coração fosse igual aos pulmões, então o coração enchia e esvaziava, respirava música. O homem com coração melomaníaco teria de viver longe, numa terra de sonhos, no lugar onde  os sofredores vão de olhos fechados como se nos pés tivessem vagas e essas marés fossem um chauffeur com chapéu alto e fraque. Nessa aldeia as canções nunca chegam ao fim. O rio é o maestro. As árvores da avenida por onde se entra na terrinha tocam violino e o vento é o arco. Costuma haver velhos carros sem dono sentados ao piano, porque ao piano esquecem a pessoa que um dia foi embora e deixou o vidro aberto, com a chave dentro e a alavanca em ponto morto. Os candeeiros à noite misturam flautas e clarinetes. Há quem dance como se a dança fosse a cura a para a loucura. E há quem escreva sobre a evidência de haver  homens que ainda casam com mulheres. O Alberto já tinha feito matéria de prova. E ontem foi a vez do Fernando esperar pela Sandra num altar a meio do jardim. Ainda há homens que casam com mulheres, que as levam de volta à terra dos sonhos, ao dia que em as ilusões cabiam todas no interior de um vestido branco.

PS: obrigado sentido ao Fernando que nos arranjou duas extraordinárias noites pelo motivo de se ter casado

21.3.10

Nem sabes de que terra és

Realidade, esta é a ficção. Ficção esta é a realidade. Considerem-se apresentadas, as meninas, sim, e venham daí para uma volta ao mundo em 48 horas, ou se acharem melhor assim, em duas noites na cidade do Porto e zonas circundantes. Para que vejam, quanto mais não seja, como foi possível sobreviver a isto.
A história termina já aqui, a meio da tarde de domingo. O retrato robôt  do princípio do fim acontece no edifício da Alfândega. A história termina na fila para a máquina de café, oferecido pelas colegas de trabalho do George Clooney. Chega uma mulher com ar de outono, na roupa no cabelo e no rosto. Reforça o ar da estação ao perguntar se a menina tem daqueles (cafés) com sabor a castanhas. Café com sabor as castanhas? Porque não comer castanhas mesmo? Quem toma um café é porque precisa mesmo de tomar um café. É que no caso de ser para procriar aromas, era um formulário de reclamações por favor e escreva-se nele a pedir um lote de café com aroma a mulher do próximo. Ponto final. Fim de história.

Isso foi o fim. No princípio foi uma visita a um lugar de acesso restrito, ao qual, alguns amigos, têm o vício de chamar estábulo. E como quase todos os vícios... está mal!! O lugar onde, principalmente mulheres bonitas, mas também homens bonitos, se reúnem imediatamente antes de um desfile de moda, chama-se bastidores. Estábulo não. Percebo (e sorrio perante) o engodo machista da abordagem, mas estábulo não, digo confessando não ter conseguido parar de achar piada à metáfora. Mas os bastidores estavam assim quando lá cheguei e assim ficaram quando de lá saí: roupa, manequins, secadores, cabeleireiros, maquilhadores, estilistas, costureiros, modistas, manequins, cigarros, cabides, cabides, manequins, cigarros. Nervos e euforia. Ansiedade. Talento. Gente nua, gente vestida. E umas coisas que não sendo mulheres, definitivamente não eram homens.

Esta conversa de homens e de mulheres faz a ponte de sexta para sábado à noite. Um homem deixar de ser solteiro é o motivo. É o motivo e a desculpa. Para lá de vinte desculpas que vinculam um grupo de homens a uma ida a uma casa de meninas devidamente prevista por lei. Entenda-se por isto a aprovação imaculada de namoradas e esposas. Aqui vem ao texto aquela frase que diz qualquer coisa sobre o que acontece em Sermonde fica em Sermonde. Uma filosofia que segundo consta já chegou aos Estados Unidos. Consta. Relate-se então, manietado pelo compromisso masculino, um único facto. Houve alguém com noite de estreia na mui prestigiante actividade de anunciar shows eróticos. O vosso forte aplauso para...

E o que é que se passou entre uma e outra noites? Passaram-se dois jogos de futebol. Quer num, quer noutro, o rapaz de um metro e cinquenta e saia verde da Alfândega do Porto, se lá fosse a dizer que ia dar uma perninha, iria ter dificuldades em entrar para qualquer um dos clubes. Quando muito era uma corrida subordinada ao tema nem sabes de que terra és.

12.3.10

Células mortas

mais um fascículo da colectânea O meu primeiro porno

Álvaro era o arquitecto da matemática dos afectos. Ia fazer 28 anos ontem. Não fez porque o companheiro de estrada, de tecto, de cama nem estava para aí virado. Foi perguntar à verdade, só para confirmar, e a verdade disse que o Ricardo tinha esquecido, por completo, devido a uma branca de tamanho superior ao de um porta aviões, o aniversário do namorado. Depois de ouvir a verdade, enquanto esteve sentado na sanita,  Àlvaro fez o caminho de volta para cama ao ritmo do cortejo que encaminha o caixão para a cova. Deitou-se de costas na campa. Puxou os cobertores só para sentir o peso da terra. O amor tinha acabado de morrer. Calhou a sepultura ter sido escavada no último lugar onde tinha acontecido a ligação dos corpos pela parte física.A junção humana não tinha atingido o toque invisível. Tinha sido só matéria. E ele a pensar no lugar dos livros das histórias felizes. A seguir aos eucaliptos, a descer para o rio, virado a poente, junto ao relvado mais penteado, para o baile dos sentidos.
Álvaro e Ricardo eram células mortas. Um mais um estava a ser igual a zero. Concluiu, confirmando a singularidade da matemática dos afectos. Na escuridão da tumba, puxar o cigarro para os pulmões fazia acender o vermelho. A dor parava. Mas nem assim o peão andava. Amanhã. Amanhã seria um bom dia para fazer 28 anos.

10.3.10

O meu primeiro porno

O rapaz das luzes

Quando arrancaram para a gravação do primeiro take, a nenhum dos quatro homens presentes na sala foi dada a ordem de acção. Geraldo Wolf percebeu o ridículo da situação, quando num antigo garageiro de motociclos, com o comprimento de um campo de futebol de salão, se predispôs a encostar os lábios ao megafone para dizer acção a uma senhora mais velha do que setenta anos, protagonista e solitária ocupante da cena dos anos mais tarde de ex-actriz de filmes com conteúdo adulto. Pornográficos. Filmes de foda, para cortar com as tretas e dizer o que realmente está ali acontecer, antes da gravação ter ficado bem à primeira e antes de poder dizer corta.  
A velhota, velha mas não surda, ia guardar um raspanete para depois porque o megafone levou-lhe o coração até à ponta dos mamilos com o susto. Como uma profissional, calou sem consentir, abandonou o lado da garagem onde uma cama era suposta querer dizer um quarto, avançou pelo meio de dois cobertores que tapavam as motorizadas e onde era suposto ser o corredor.Caminhou em direcção ao quintal, aos cães e às hortênsias. Parou junto ao muro. Encostou os cotovelos e as mamas sobre os tijolos, porque uns e as outras há anos que não encostavam sem a companhia mútua. Olhou na direcção mais longínqua que os olhos conseguiram, seguindo a indicação do realizador Geraldo, sendo que no caso dela, o mais longe que os olhos iam era um metro à frente do peito e isso num dia limpo. Apesar da desventura pessoal da idosa do filme, porque no filme era uma idosa e não uma velha, apesar disso, a postura do queixo elevado, com a expressão esforço dos olhos, serviam à cena na perfeição. O que dali se queria era passar a mensagem de pensamento profundo e uma viagem ao passado, para depois acrescentar uma acrobacia qualquer de uma rapariga sobre um pénis em estado sólido.  Se a velha não via um caralho, não vinha ali ao caso. Bem, vir vir até vinha, mas a simulação passava com distinção o argumento arquitectado na cabeça do Geraldo e por isso ele disse corta.
Corta bem na hora. Geraldo desceu na cadeira de ráfia, e qual imaturo operador de imagem a acetrar o zoom, vagueou pela antiga garagem de motos à procura da casa de banho. O aperto era tanto que não via mais nada à frente. Deixou-se levar pelo cheiro e não demorou a acertar em cheio. O metro quadrado forrado a azulejos anteriormente conhecidos por brancos tinha alguém lá dentro. O rapaz das luzes, mais conhecido por moço que segura o único foco, estava a acabar de fazer o que Geraldo ia tentar fazer. Enquanto voltava as costas à única retrete do estabelecimento, calhou vir com a mão direita num sítio que ele via todos os dias, mas que ainda não tinha visto como gratificante fonte de rendimento. E quem melhor do que o realizador para ter olhos para a coisa. Geraldo gritou pelo Ricardo e pediu quietude de estátua aos rapaz das luzes. Ricardo chegou com os óculos colados à prancha do argumento na dizer "o que é?". 
Estava encontrado o protagonista do primeiro filme pornográfico feito a meias entre um realizador austríaco quase surdo e um argumentista português que nos últimos tempos começava todas as conversas com um dramático estou a tentar deixar de ser maricas.
Ricardo exigiu mais tempo de pose de estátua ao moço. Disse-lhe que a partir de hoje, quando a câmara apontasse sobre qualquer ângulo daquele chão encardido com óleo queimado, ele que não esquecesse que quando falassem em Taco Bandeira estavam a falar dele, com ele ou para ele. 
Com a mão esquerda na prancha e a direita na caneta, Ricardo tremeu de alto abaixo, soava-lhe a obra prima, a ideia de criar um episódio chamado "A ternura dos quarenta centímetros". Taco Bandeira sorriu. Era um sorriso vaidoso. Aceitou o nome e o novo cargo de olhos fechados. De dinheiro se falaria mais tarde. Até porque Geraldo ia empurrado por uma velha, avisado do mal dos sustos na sanidade mental das pessoas.

8.3.10

O meu primeiro porno

O reencontro de Ricardo com o corpo de uma mulher 

Instado a sair das calças, pelo teor da conversa, saiu sem ter perguntado ao dono se podia, se a altura era a mais adequada ou se a companhia do dono, apesar do tom erótico do diálogo, estava disposta a ver o homem que o rapaz guardava no interior de uns boxers justos em algodão. Assim saído, do conforto do lar, a parte mais masculina do corpo de Ricardo só aí se lembrou de pensar  se porventura não estaria a encarar o meio ambiente num local público. Não estava. Recuperou de uma flacidez instantânea para de novo se erguer sobre e exacto decote das nádegas de uma mulher mulata, deixado a nú entretanto pelas mãos atabalhoadas de Ricardo. Faltava ali qualquer coisa e ele não estava definitivamente a esquecer a ideia de que num corpo feminimo partes há que se subtraem e outras que se adicionam. 
A mulher, apoiada nos cotovelos, fez o que pôde para afastar a conversa da proximidade do esfíncter. Estava porém convertida a uma submissão imprevista, numa daquelas  situações onde se pressente que nao há nada a fazer. O apéndice frontal, esse que confere a Ricardo o estatuto de sexo maculino, aproveitou a altura exacta em que o rabo da senhora abriu mais a boca para dizer não. Ricardo sentiu-se chegado à terra prometida. A cidadã anómina já só esperava que ele não tivesse chegado para uma estadia de três dias com direito a pequeno almoço. Ao mesmo tempo, a experiência de mulher astuta também lhe dizia que o senhor que tinha acabado de entrar não iria resolver aquela questão com  uma investida de cinco minutos à Benfica. Tinha duas formas de encarar o momento: a bem ou a mal. Escolheu a primeira hipótese.
Ao volante encorpado de uma mulata quarentona, Ricardo, moço expedito era dotado de um raciocínio somatório. Uma coisa dava sempre lugar a outra. Neste minuto viu-se a pensar na segunda-feria de manhã, à cata de umas calças de ganga e uma armação para os óculos, no interiror de um bazar chinês. Ricardo era um rapaz de conclusões prontas. Sempre que a prontidão ficava em maioria nos vagueios do cerébro, o sexo dava de caras com o verbo acabar. Lançou a semente em terreno infértil. Da casa de banho, para o quarto,  disse, com as mãos e o detergente sobre a zona genital em quarto minguante. Lá disse no esfreganço, para a mulher, que em poucos anos o mundo ia ser todo duas coisas. Ela disse que sim mas também podia no fundo estar a dizer que não. Foi para lhe abreviar a conversa. E ele abreviou. Contou que em poucos anos o mundo ia ser quase todo homossexual e chinês, habitado em larga escala por pessoas com olhos em bico. Com três olhos em bico. Ela esteve tentada a dizer impropérios correspondentes em magnitude ao desplante do homem a quem ela tinha acabado de dar o flanco. Mas lá conseguiu guardar a pergunta debaixo da língua e nem deixou subir à zona cinzenta a questão segundo a qual lançava para o debate o porquê de ter deixado entrar aquele idiota.
Ricardo fechou a porta. Antes da porta tinha dado um beijo na cara. Antes do beijo na cara tinha lavado por fora aquilo que não conseguia lavar por dentro. Antes disso deixou-se rendido à evidência de que, por vezes, as entradas mais triunfais, acontecem pela porta das traseiras.

5.3.10

Falta-me chão

A minha vida tem uma distância de quinze quilómetros. É a latitude média de um dia útil. A contar de uma freguesia com mar em Vila Nova de Gaia, a distância deixa a adivinhar que seja a sul, até esse sítio em que numa avenida citadina há uma bomba de gasolina por baixo de um prédio de habitação. Eu vou para o edfício anterior, à parte onde três pisos de escritórios têm escriturário nenhum. Há uma redacção televisiva por baixo de um consultório de fertilidade e por cima de uma agência de seguros. Exerço o meu ofício entalado entre o que acabei de contar. No rés-do-chão mora uma recém nascida loja de mobiliário.
A longitude dos meus passo não vai, por norma, além de dois quilómetros a contar do mar. Vivo de domingo a domingo num rectângulo de dois por quinze quilómetros. Falta-me chão debaixo dos pés. Não poderei dizer coisas para lá das linhas desta moldura pequena. Um dia saberei contar em detalhe a dureza das montanhas e o perfume das gardénias. Haja chão para calcar.

4.3.10

Chinelos azuis

Para fazer aquela mancha no pilar da ponte, Leonardo Da Vinci teria estado ali uns meros cinco minutos. Teria um pincel grosso para encher o miolo com a brevidade toda, e teria um pincel mais fino para contornar o desenho com o requisito mínimo a que uma obra de um mestre obriga. No caso de ali ter estado a ser o autor da daquela Mona Lisa, Leonardo tinha de ter estado de costas para Vila Nova de Gaia o tempo todo. E teria tido o azar de, apesar de ter estado o tempo todo de frente para o Porto, teria tido o azar de não ter visto a cidade a partir do melhor ângulo. Longe disso. Tinha visto o Porto desde a Arrábida, estendido pelo rio, revelado numas curvas e infelizmente escondido noutras, por sinal as mais repletas de gente habitante e de casas de época mercadoras, por sinal as mais belas das curvas, que nas vontades naturais do Douro se escondiam do olhar de Leonardo. 
Da Vinci teria pintado aquela Mona Lisa no tempo de ler o parágrafo anterior. Aquela mancha preta enferma serviria para dizer: estive aqui muito depressa se um dia eu cá tivesse estado. Obviamente que Da Vinci nunca ali esteve antes da metade do tabuleiro da ponte da Arrábida. Outro dado para lá de qualquer eventual suspeita é o facto de num dos pilares acinzentados da ponte existir uma Mona Lisa pintada a spray sobre um cartão estilizado com a figura da senhora. Obra e graça do anonimato. De forma singular ou plural. Como tiver sido. Sendo certa a presença de uma senhora de sorriso triste, todos os dias, no meu caminho para o emprego, às portas da cidade do Porto.
Valha-me o sorriso feliz de uma mulher na hora do regresso a casa. Hoje já foi dormir porque regresso de madrugada. E ao regressar tenho um folha em cima do balcão da cozinha. A folha tem um sorriso desenhado a traço feminino, por baixo de uma frase onde diz: "para te manter confortável nas tuas noites de escrita". Abro o saco de papel e tiro a surpresa. Venho para este sofá com a ideia de escrever qualquer coisa acerca do Leonardo Da Vinci. Caminho sobre os dedos dos pés, muito confortável nestes chinelos azuis de veludo. Não quero fazer barulho.

2.3.10

O meu primeiro porno

Se isto fosse um post, seria a continuação do enérgico episódio onde se narra a gravidez de Álvaro

Era de madrugada dentro do quarto. Aos olhos de Álvaro, a visão da testeira da cama variava entre uma aproximação calculada do rosto à madeira de mogno e um afastamento que não levava consigo o cheiro do verniz. Estava tudo calculado. Sentado no banco de trás daquela carroça imaginária, Ricardo era o condutor de uma cena onde um homem possuía o outro e os dois assim, eram os veios de aço a ligar a rodas de um comboio antigo.
Por esses dias,ou por essas noites, madrugada dentro, Ricardo tinha vezes em que desconfiava da própria homossexualidade. Esta era uma delas. E logo esta, quando ele afastava obstáculos para o lado, com a total complacência do outro, é certo, mas quando ele afastava obstáculos para o lado com  ajuda das mãos e invadia traseira do outro com a zona mais ocidental do próprio corpo. E é nestes modos, nestes jeitos, nestes quandos, que Ricardo começa a ter a noção da falta que uma mulher lhe faz. Afinal queria um fêmea. Já não se dava por contente nem mesmo estando aos comandos de um ser mais efeminado.
Articulados iam, a caminho do fim de linha mais a direito, no sentido do prazer,.Ricardo perdia por instantes a concentração no que estava a fazer para se perder em divagações sobre a posição em que um se põe de quatro. E não compreendia, de facto, o porquê da colagem dessa imagem, de quatro, à frase pobre onde se fala da posição em que a Alemanha perdeu a guerra. Porque olhando para o Álvaro, quem o visse assim na suposta pele de derrotado em combate, nunca o diria nesse modo. Porque Álvaro, aos olhos de Ricardo, vergado à posição onde o povo foi repetindo que a Alemanha perdeu a guerra, não tinha ar de nada disso, antes pelo contrário. O rosto de Álvaro estava com o ar de quem está a ganhar. E a saborear a vitória.
O comboio foi até ao fim da linha sem descarrilar. O primeiro passageiro saiu sem dizer adeus. Fez da cama um apeadeiro. Vestiu uma camisa, as calças e os sapatos. Pôs um cachecol e o boné. Bateu com a porta. O outro deixou-se ficar para dormir sobre o assunto.

24.2.10

Uma frase. Ou duas. Ou mais

Gosto de todas as pessoas que nas zonas da fronteira da loucura, muito calmamente conseguem sorrir, mostrar o passaporte de maluco e deixar para trás sem remorso o estado politicamente correcto da normalidade. É como respirar depois de sufoco prolongado. É viver, portanto.

20.2.10

O meu primeiro porno

A gravidez de Álvaro

Álvaro está sentado. Vem na fila da frente, no lugar encostado ao vidro, onde a linha do horizonte é cortada pelo ombro do motorista, pelo pescoço e pela cabeça deste. O cabelo rapado exibe a orelha esquerda, mesmo por cima do azul escuro do casaco e do azul claro da camisa. A orelha mora muito longe da face, apercebe-se Álvaro, enquanto se perde na dúvida residual sobre se o que está em causa aqui não será antes o cabelo demasiado curto. Sem paciência para acertos estupidificantes de raciocínio, Álvaro vai ao bolso de dentro do sobretudo. Do lado onde o coração bate com um aperto doloroso, Álvaro retira o Ipod com a mão direita. Segura-o com a esquerda, apoiada nos joelhos. Faz deslizar os dedos da outra mão na superfície de vidro. A meio de uma viagem de autocarro entre o Porto a zonas mais a sul de Vila Nova de Gaia, a tecnologia abre-lhe um mundo novo na palma da mão. Um mundo virtual bem mais interessante do que o respirar de todas a vidas anónimas daquela camioneta de carreira, importada de leste na véspera do dia em que devia ter sido encolhida, primeiro, e empilhada, depois, num cemitério de chapa erguido até ao sítio onde dizem haver a fronteira do céu.
O toque dos dedos no vidro do Ipod, conduzem Álvaro até uma janela imaginária, de onde espreita para um lugar distante, e onde se vê numa licra bege apertada, sobre patins brancos com lâminas, numa pista de gelo, durante o solo de um concurso de dança. Álvaro é um homem que gosta de homens, mas que por causa dos homens já sofreu mais do que qualquer mulher dos livros dos autores nos dois séculos imediatamente anteriores a este.
Álvaro quer engravidar a todo o custo. Decidiu isso ao fim da tarde. O fim da tarde foi há um quarto de hora, quando os minutos de espera pelo autocarro lhe mordiam os pensamentos, não muito longe da paragem na Praça da Batalha. Abrilhantado de espírito pela ideia de última hora, Álvaro estava de plena consciência à beira de ter conseguido a fórmula secreta para manter o Ricardo para sempre naquela relação que estava doente mas que não seria nunca doentia, no entender do próprio.
Ia engravidar. E ponto final. Nada nem ninguém o poderiam convencer do contrário. Não havia volta a dar. Nunca, em toda a vida, tinha passado por um estado de convicção semelhante. Pegou no Ipod e iniciou a navegação por entre milhares de aplicações. No espaço destinado a se escrever o objecto da procura, Álvaro escreveu o que queria. Ia fazer o download de um útero. Mas não o ia fazer já. Esperaria pelo momento em que estivesse em casa e faria tudo como tinha de ser, na presença do Ricardo.
Sentado num banco de cozinha, a olhar para uma revista de mulheres nuas, Ricardo dizia-se apenas interessado no corte dos fatos de banho e dos biquinis. Ricardo disse-lhe também para aproveitar e fazer o download de uma vagina, porque pelo cú, eram capazes de não lá ir.

17.2.10

Coincidência

Atendi ao pedido à segunda tentativa. A pergunta repetida queria uma resposta para a dúvida sobre como é que se escreve coincidência. Com cê curvo. Com ésse, não. Disse as letras a sós. Uma a uma, para evitar confusão. E porque depois disto, era uma vez uma dúvida, a rapariga segurou o telemóvel senhora de uma outra confiança, para escrever qualquer coisa sobre coincidências. Dizer que foi numa noite de Carnaval, pouco ou nada acrescenta ao caso. Que pouco ou nada se acrescente então: foi antes do jantar da noite de Carnaval.
Na noite a seguir à noite de carnaval, o rapaz que respondeu à rapariga está em casa. A televisão repõe um filme sobre comportamentos obsessivos e compulsivos. Antes do fim da segunda parte, uma senhora com ar para ser mãe e avó, responde a uma senhora com ar de ser filha e mãe. A mais noiva das duas estava a redigir uma carta de agradecimento e perguntava como é que se escrevia coincidência. A mais velha, mãe da mais nova e avó do ainda mais novo, soletrou a palavra: c-o-i-n-c-i-d-ê-n-c-i-a. A filha escreveu tudo direitinho para agradecer ao médico o facto de estar a ajudar o filho doente, o tal que aparece antes descrito como o ainda mais novo.
E eu, de cama há quase dois dias numa semana que é de férias, tento encarar com naturalidade a simultaneidade de diversos acontecimentos. É o que o dicionário diz, quando fala em coincidências.

15.2.10

A República Portugueza

Onde era pedra, branca e negra, é agora chão de mistura: areia, cimento e água. Os passos sucedem-se, pé ante pé, sobre a avenida dos Aliados, a descer. O Porto por aqui abaixo revela-me todos os elos da origem das espécies. É uma mulher com mais ar de homem do que eu. É um homem com mais ar de animal do que o cavalo da estátua de D.João IV. É por fim, onde me detenho, uma Praça da Liberdade. Por ali acaba de passar um homem vestido de mulher, mal vestido de mulher. E ao chegar aqui, ao sítio onde um homem veste o sexo diferente, das duas uma: ou é de noite e estou a passar pelo edifício do Jornal de Notícias, ou então é mesmo uma tarde de domingo e hoje é dia de carnaval. O frio levou os sorrisos de todos os rostos. Nenhum termómetro consegue acrescentar um grau que seja a esta história. A temperatura é de quando o tempo regressa à estaca zero.

Eram três horas da tarde. Era o dia dos namorados. O homem quer passar pelo quiosque para comprar o jornal que há-de ler ao café. A mulher diz que sim e que não se quer esquecer de uma revista para ler entre a torrada e o chá. Compram o jornal na rua de Sampaio Bruno, em frente à Casa da Sorte, onde o chão ainda é às pedras brancas e negras. E aí o azar bate à porta, ou então foi o nariz, porque o café está fechado. Desde ali, até ao lugar onde o carro está estacionado acontece o primeiro parágrafo do texto. Vamos ao terceiro.

Um namorado, no dia dos namorados, leva a namorada à cadeia. Dirão já as mais impetuosas almas que o romantismo, tal como o azar, ficou à porta. Mas isso seria como meter o nariz onde não se deve. Porque o namorado vai pagar a ousadia em croissants e torradas, ao lanche, e rosbife mais tarde, ao jantar. Mas não saltemos já na cadeia dos acontecimentos. Vamos à cadeia da relação. Ao Centro Português de Fotografia. À exposição Resitência, sobre o tempo em que a república portuguesa ainda se escrevia com zê. Vale a pena a visita. Ao fim de uma hora entre a alternativa republicana e a luta contra a ditadura, em imagens a preto e branco, porque não sair de lá com um colorido disparate onde se diz que nos séculos anteriores os presos viviam numa casa muito bonita.

Ao lanche, também houve café com leite e chá gelado, este último pedido por favor numa embalagem de temperatura natural. Ao jantar, os líquidos vinham de lambreta, quando eram vinho de pressão, e numa lata, mais destinada aos refrigerantes.

A noite ia acabar no Coliseu do Porto. Nada como um concerto para fechar um dia desconcertante, fica sublinhado o registo em português preguiçoso. Onde a língua chora como uma bola o faz quando é maltratada. Isto de se entrar no Coliseu e de se começar a falar de futebol confirma o facto de estarmos em Portugal. Ou então a culpa é da camisola do guitarrista. Tem todos os losangos utilizados pelo Paulo Bento e mais um. Pior está o teclista. Arrisca uma chicotada psicológica. E é o que lhe vai acontecer quando a mama direita da menina mais gorda do coro lhe acertar na cabeça. A ele ou ao senhor que controla os bilhetes para entrada na plateia. A mama esquerda já desceu do palco três ou quatro vezes.
Indiferente a tudo isto, a Joss Stone dança com o clitóris. A voz ferra os ouvidos antes de chegar à alma.

31.1.10

Carta a um desconhecido

A propósito do lenço que trazes ao pescoço
Tens droga nos olhos. Seguramente terás droga nos bolsos. Vestes um casaco verde da cor da tropa. Estás em pé no apeadeiro da Aguda, no lado poente da linha. [És um homem feio]. Ainda nem deves ter 40 anos . Estás à espera de gente que traga mais gente, de dinheiro que multiplique o dinheiro[É que és mesmo feio]. Essa cicatriz do lado esquerdo da cara, se é para meter medo, deixa-te ficar assim, virado como estás para mim. Escusas de me dar a outra face. Esse tom de pele é vermelho e moreno ao mesmo tempo. Isso deve ser doença.
Enquanto deixas o tempo passar, entre um e outro cliente, enquanto os comboios se fazem ao norte e ao sul, tu, que há muito perdeste o rumo, ignoras por completo a função primária do Keffiyeh enrolado no teu pescoço. Essa peça foi ocidentalizada por via da excessiva exposição televisiva e, cá entre nós, é vulgarizada ao nosso conhecimento com o nome do homem que a vestia todos os dias. Esse lenço Arafat não foi feito para andar ao pescoço . A moda do oeste fez com que ele descesse no corpo, mas o Keffiyeh foi inventado (e é usado nas origens) para proteger a cabeça da exposição solar directa.
Só estava a olhar para ti desta forma para te dizer que tens uma forma acessível de preservar a pele doente. Era só dobrar o Keffiyeh ao meio, na diagonal, para fazer um triângulo. Este sol inesperado de Janeiro não teria como te fazer mal. Como eu não olhava para te fazer mal.
O teu olhar está à espera de um movimento meu para agir. Tenho os braços presos no peso na tua ignorância. Morre ao sol.

29.1.10

O meu primeiro porno

O resto do prólogo
Tinha decidido chamar os bois pelos nomes quando fosse a hora de chegar ao trabalho. Ela não estava mais para aquilo. Entrou na taberna, a do Albano, a pequena, na esquina do fim da rua de casa, perto da paragem do autocarro, a de mesas compridas de madeira. Os presuntos fumavam, a lenha ardia, os homens fumavam e bebiam. Aquilo era uma nuvem, um pesadelo doméstico, um musculado exemplo da vida real. Aquilo era mau para a saúde de quem estava e mau para a vista de quem entrava. Ela passou para dizer que estava farta do emprego e que o ia dizer no minuto a seguir a ter picado o ponto. Foi lá para dizer ao marido que ia chamar os bois pelos nomes. Olhou em frente. Olhou para a direita, olhou para o fundo. Reconheceu-o pelos cornos, pensou, quando o chamou da porta. Américo foi à porta.
A carta do despedimento foi escrita de cabeça no banco que fica por trás do motorista. Era um discurso franco. Teria as palavras de todos os dias. Seria o modo mais cómodo de comunicar a saturação do horário entre a meia noite e as oito da manhã. É que aquilo era o cansaço no grau máximo e salário no enquadramento mínimo. Estava agradecida aos senhores pela oportunidade. Do fundo do coração.
Numa curva mais apertada, a cabeça voltou a desencostar e a bater no vidro. Os bois pelos nomes, os bois pelos nomes, terá dito entre dentes antes de voltar à condição em que dormitava. Aquele sonho já não era a primeira vez que a acompanhava no autocarro para a zona industrial de Pedroso. Sonhava que queria ser puta. Mas uma puta para dar na televisão. Dar na televisão isto é, dar nos filmes, nos filmes, mas não é do cinema, nos das cassetes de video, as cassetes com capas onde as zonas púbicas não andam muito longe do penteado do Marco Paulo. Sorria no sonho quando o sonho chegava a este ponto. Depois corava. A vergonha do que tinha para fazer na condição de puta era de igual forma à vontade com que atacava o primeiro que lhe aparecia pela frente.
Isto não é um hotel. Isto não é um hotel. Pois não é um filme para adultos. O motorista já não tinha paciência para as diagonais que o raio da mulher dava às conversas sempre que chegavam à porta da empresa de enchidos.
Oito da manhã. Oito da manhã. eram oito da manhã quando apertou o último chouriço. Foi ao escritório dizer à mulher do patrão que o podia enfiar por onde bem entendesse, lamentando à senhora o diminuto tamanho sexual do macho da entidade empregadora, solidarizando-se com patroa por todas as fodas de curta duração por necessidade extrema. Se só conseguia manter o posto de trabalho à laia de uma posição onde as pernas se lembram de quando a distância as fez separar, então que assim fosse. Aos 37 anos ia muito a tempo de fazer ver às mais novas.
Ao ir embora, o homem da caixa estava a acabar de meter setenta euros no envelope. Escreveu Samanta Fátima. Senhora de um nome á medida de qualquer catálogo xxx, com uma semana de trabalho na carteira, um homem a cheirar a presunto a roncar na cama lá de casa com uma boca em vinha de alhos, fazia com que uma cena de sexo filmada com um estranho numa garagem mal amanhada se assemelhasse a uma noite de amor num hotel de cinco estrelas. Mal podia esperar pelo baile debutante.

28.1.10

O filme do jogo

É proibido fumar, é, e a proibição assume a forma literal da advertência em situações específicas, mas ainda não chegou ao ponto de venda. Os cigarros continuam a ser comercializados livremente e só por isso não entendo o homem da roulotte. Ninguém lhe estava a pedir um crime por encomenda para ele dizer schiu. Ninguém lhe estava a propôr um golpe de estado nas barbas, e já agora nas incontornáveis barrigas, não há como as evitar neste episódio, nas incontornáveis e inevitáveis barrigas dos GNR de serviço ao jogo de futebol em Freamunde. A coisa para ser assim contada numa noite de quarta-feira, requer, antes de mais, um sopro nas mãos e um esfreganço delas uma na outra.
Ora, avivando a memória: um jornalista assiste ao exercícios de aquecimento de duas equipas de futebol e uma de arbitragem num campo da segunda divisão. São dois ou três pormenores de uma noite onde onde dois ou três graus, por positivos que sejam, e são, não deixam de acrescentar algo de negativo ao olhar do homem da roulotte. Marcou um encontro nas traseiras no estabelecimento móvel. Junto ao tronco da árvore, para tapar a vista de qualquer vista. Só aí, na escuridão absoluta, se tornou visível a deficiência do senhor. Ele não tinha a mão esquerda. A asa do saco de plástico pendia de um lado para o outro, como pendiam os olhos deles em busca de um qualquer intruso. A asa segurava-se mesmo ao meio do coto. Coto não. Era um pulso sem mão.
A única mão deste homem, a direita, vasculhava o interior do saco até ao fundo do saco e era como se no fundo do saco não houvesse fundo, tantos foram os mergulhos, os fracassos e as idas e as vindas sem o maço de cigarros americanos. Num exercício mental, sugeri que o fumador já fumava qualquer coisa portuguesa, para acabar de vez com aquela cena de filme de série b. Pressionei o vendedor para saber o porquê de tudo aquilo. Porquê vender às escondidas tabaco legal ao preço de tabela? Porque sim. Porque ele tinha deixado de fumar vai para dois anos e a mulher podia não acreditar nele se encontrasse uma caixa de cartão cheia de volumes e um saco de plástico atulhado de maços. O contrabandista de ocasião segurou por fim um maço vermelho e branco. Sorri ao senhor a minha melhor solidariedade de ex-fumador. Sem lhe chegar a contar do pressentimento de uma vitória dos vermelhos e brancos, os do Braga, sobre os azuis, do Freamunde. Se ao menos o outro fumasse Português Suave...

20.1.10

Homem temporariamente nú

Hoje em dia, um qualquer ser inocente do sexo masculino corre perigo de vida se por perto houver uma loja de roupa. Não é preciso muito para entrar descontraído e sair de lá vestido de bandido. Se quiserem ir por partes, vamos por partes. Não estou aqui para implicar. Comecemos pelos alicerces. Pelo chão. Pela prateleira mais rente ao soalho. Comecemos pelo pés. Com todo o detalhe de quem não está aqui para enganar ninguém. Como se faz na feira. Aos pés o que é dos pés. E neste caso,o que é dos pés são os sapatos. E os sapatos todos de gangster. São castanhos diarreia. São pretos brilhantina. São quadrados, são em bico. São perfeitos para deixar um avançado em fora-de-jogo. À margem das regras. Marginais. Lá está, de gangster é o que são. Pé esquerdo e pé direito, hoje não há prenda nem para um nem para o outro.
As fundações de um homem que por acaso se quer vestir e entra numa loja de roupa, arriscam-se a não ter pernas para andar. Falemos de calças. Se fosse para ter o cú à mostra não as vestia, nem as tinha em necessidade de comprar. E uma tira de veludo da anca ao tornozelo hoje não, porque não é dia de comunhão solene, nem há vagas para paquete no centro de emprego. Isso... atirem-me essas de ganga pós lixívia ou pedra pomes... Não estamos aqui para assaltar ninguém, muito obrigado. E entregamos à menina do atendimento o cliché pernas para que te quero. Uma frase que o português só diz para trincar a própria língua.
Vamos às camisas. Não sendo toureiro, elder, mesa de cozinha ou cortinado, a coisa tende a fugir para o complicado. Para já não falar daquela camisola. Já vi aquele padrão em algum lado. Já sei. Foi em casa da minha mãe. Por cima da televisão com caixote de madeira. Em 1983.
É impossível ir embora e não reparar naquele casaco à prova de bala, tipo bibendum. Ou no blazer de corte igual ao do anão da ilha da fantasia.
Olhe, desculpe, onde fica a secção de homem?

19.1.10

ομπρέλα

O hotel acolhe a totalidade do número 8 da Rua Monastiriou, em Salónica. Oito portugueses avançam conversadores uns com os outros através do hall, na direcção do inverno grego, vestidos pelo rigor da estação. Enfrentam a temperatura negativa da manhã de dezembro com o sorriso mais positivo que o semblante consegue arranjar. Ao saírem do hotel, deixaram ficar a porta a aberta. Parece que são de Braga. E são mesmo. Vieram de Portugal no voo charter encomendado pelo clube da terra. Um outro português, observador e narrador desta história, decide aproveitar a embalagem da corrente de ar e sai de casaco fechado até ao nariz , nariz que a partir das dez da manhã vai passar a ser da cor da camisola do Braga. Ele, como é de Gaia, decide fechar a porta.
As portas podem ser o meio a utilizar para abrir Salónica e trazer parte da cidade a este texto. Porque porta-sim-porta-sim o comércio chama pela rua. E quando a rua decide não ir, o comércio decide trepar paredes. Isto não é uma figura de estilo. É a cidade que vende a não querer ser esquecida pela cidade que pode comprar. E eu, mesmo não sendo dali, nesse dia sou. Pelos menos ao olhos dos vendedores.
Esta parede em frente está decorada com casacos de pêlo, casados de pele e binóculos. Tem medalhas da tropa, tem capas de disco. Tem um homem velho sentado num banco mais velho. Ele tem olho para o negócio, repara em mim, puxa-me para dentro, conta que o outro olho ficou na guerra com uma só palavra: war, war.
Faço gestos para dizer o que quero. Ele gesticula para dizer que tem. Deixa-me uma camisola de lã nas mãos e não é isso. Devem ser os meus gestos. Volto a fazer devagar. Ele diz que sim, mas vem de trás do balcão com umas botas. Começa a falar muito alto e entra mais gente, todos pensam neste estrangeiro como alguém capaz de estar a tentar pôr a mão na caixa registadora. Não estava. Estava só a chegar a prateleira onde estava o que eu queria. Peguei, pousei o objecto. Levantei o braços como quem diz paz. Rocei o polegar no indicador e no dedo médio a perguntar quanto é. O homem com olho para o negócio abriu a mão direita para dizer que eram três euros. Calculei que os outros dois dedos tivessem ficado na guerra.
Esses dois dedos de conversa, constam de um episódio com mais de três anos. Regressaram a mim pelas portas da fortaleza de Valença, à porta de uma loja onde um vendedor boliviano aponta a pistola aos presumíveis clientes. A pistola é de plástico e faz ondas intermináveis de bolas de sabão. Aponta à minha namorada e eu disparo. Guardo o momento na máquina fotográfica. A seguir entro com ele na loja e compro, pela segunda vez na vida, um guarda-chuva(ομπρέλα ).

15.1.10

Em nome próprio

Regresso com a mão esquerda encostada ao nariz e o ombro do mesmo lado encostado ao queixo. Regresso com direita igualmente de punho cerrado, sobre esta barba assimilada pelo rosto nos últimos oito dias.
O pé esquerdo é uma âncora cravada no chão. O direito comporta-se nos vícios de quem apaga um cigarro. O calcanhar fica suspenso. É para o caso de evitar uma queda no caso de o primeiro golpe sair de algum daqueles que estão diariamente a apregoar combates imaginários. Chegando mais perto, a dimensão de cada um dos elementos do exército de cobardes não chega a provocar espanto. A pequenez do cobarde permite-lhe cobrir-se, dos pés à cabeça, com uma página de um jornal.
Em nome próprio, eu António, descalço as luvas e faço a saída por entre as cordas. Quando o encontro de palavras tem de ser com gente que só é gente por ser amiga do amigo do amigo do amigo influente, a resposta sai melhor numa folha em branco. As letras ficam guardadas no corpo.

7.1.10

Todos os verbos

Para começar, nascer até que não está mal. Mas está. Se for para começar como deve ser, o verbo tem de ser um de dois: amar ou engatar. Pegando no segundo, convém ter a gramática aberta no verbo abrir, porque é isso que vai acontecer, depois de o pai convencer e a mãe anuir e depois de os dois se dedicarem ao tocar. Reza a história que haverá a seguir uma constante indecisão entre dois outros verbos: o entrar e o sair. Até que... numa perspectiva mais clínica do evento, se chega ao verbo ejacular, verbo esse conjugado apenas pelos mamíferos do sexo masculino. Mantendo o tom clínico, e para que a mulher não se queixe de ficar sem um verbo para ela, deixemo-la entretida com o fecundar . É coisa para a deixar ocupada durante nove meses.
Posto isso, então sim. Aí vem, careca, sem pelos nem dentes, de olhos quase fechados e em modo de choro, o tal verbo nascer. Diz que é o princípio de tudo. Sendo sobretudo, nos primeiros tempos, o expoente máximo do mamar, chorar, do comer, do mijar e do cagar. São os primeiros passos de uma etapa baptizada, por unanimidade, com o verbo crescer. Gatinhar, andar e falar estão para quem nasceu como limpar está para quem fez nascer.
A vida é todos os verbos. Quem não sabe conjugar sem cábulas o verbo doer? Mente quem diz que não e isso só o(a) fará sofrer ainda mais. Felizes de todos aqueles que encontram, nem que seja por uma uma só vez, o sítio onde os dias tiram férias para amar. E valha-nos as gargalhadas do rir e os momentos de verão em plena tempestade do sorrir. Nunca esquecendo que tudo isto é para morrer. Mesmo para quem se está pouco a foder.
PS: Verbos como matar, roubar, enganar e violar dão pena de prisão. A igreja diz que cobiçar também não é lá muito bonito.

3.1.10

Sorry honey

O futuro queria ter visto a gaivota naquele amanhecer de Março. Quando os ponteiros do relógio se alinharam e o sol entendeu estar na hora de fazer quebrar o gelo. Queria ter visto a envergadura das asas, abertas na forma de quem se prepara para abraçar com saudade o momento em que se regressa. Queria ter visto a sombra a crescer no chão e a gaivota a descer no ar, com o ar de quem chega ao lugar de onde nunca devia ter saído.
Nessa estação, o sol aproximou duas bocas. As duas bocas vinham de um deserto onde o tempo repousa quando tem tempo. Beberam uma da outra, souberam de si, sorriram e por fim regressaram devagarinho ao lugar onde se tinham reencontrado.
Antes de se aventurar no mar, uma gaivota conta a todas as outras gaivotas da praia, ter ouvido a história de dois humanos e jura ter escutado qualquer coisa sobre um encontro marcado entre eles para uma troca de olhares no corredor das bolachas de um supermercado.
O futuro entra de rompante na conversa para dizer que o tal encontro nunca chegou a acontecer. Mas acrescentou, o futuro, quando se meteu na conversa, que o rapaz dessa história passou ontem a correr nesse mesmo corredor. E que quando por lá passou, viu um frasco de mel caído, partido e derramado no chão. E que ao passar disse sorry honey.

Bob Dylan

Aquele bendito instrumento musical, a máquina de escrever, e os seus botões de onanizar tímpanos, as teclas, corpos fora do corpo,...