10.3.10

O meu primeiro porno

O rapaz das luzes

Quando arrancaram para a gravação do primeiro take, a nenhum dos quatro homens presentes na sala foi dada a ordem de acção. Geraldo Wolf percebeu o ridículo da situação, quando num antigo garageiro de motociclos, com o comprimento de um campo de futebol de salão, se predispôs a encostar os lábios ao megafone para dizer acção a uma senhora mais velha do que setenta anos, protagonista e solitária ocupante da cena dos anos mais tarde de ex-actriz de filmes com conteúdo adulto. Pornográficos. Filmes de foda, para cortar com as tretas e dizer o que realmente está ali acontecer, antes da gravação ter ficado bem à primeira e antes de poder dizer corta.  
A velhota, velha mas não surda, ia guardar um raspanete para depois porque o megafone levou-lhe o coração até à ponta dos mamilos com o susto. Como uma profissional, calou sem consentir, abandonou o lado da garagem onde uma cama era suposta querer dizer um quarto, avançou pelo meio de dois cobertores que tapavam as motorizadas e onde era suposto ser o corredor.Caminhou em direcção ao quintal, aos cães e às hortênsias. Parou junto ao muro. Encostou os cotovelos e as mamas sobre os tijolos, porque uns e as outras há anos que não encostavam sem a companhia mútua. Olhou na direcção mais longínqua que os olhos conseguiram, seguindo a indicação do realizador Geraldo, sendo que no caso dela, o mais longe que os olhos iam era um metro à frente do peito e isso num dia limpo. Apesar da desventura pessoal da idosa do filme, porque no filme era uma idosa e não uma velha, apesar disso, a postura do queixo elevado, com a expressão esforço dos olhos, serviam à cena na perfeição. O que dali se queria era passar a mensagem de pensamento profundo e uma viagem ao passado, para depois acrescentar uma acrobacia qualquer de uma rapariga sobre um pénis em estado sólido.  Se a velha não via um caralho, não vinha ali ao caso. Bem, vir vir até vinha, mas a simulação passava com distinção o argumento arquitectado na cabeça do Geraldo e por isso ele disse corta.
Corta bem na hora. Geraldo desceu na cadeira de ráfia, e qual imaturo operador de imagem a acetrar o zoom, vagueou pela antiga garagem de motos à procura da casa de banho. O aperto era tanto que não via mais nada à frente. Deixou-se levar pelo cheiro e não demorou a acertar em cheio. O metro quadrado forrado a azulejos anteriormente conhecidos por brancos tinha alguém lá dentro. O rapaz das luzes, mais conhecido por moço que segura o único foco, estava a acabar de fazer o que Geraldo ia tentar fazer. Enquanto voltava as costas à única retrete do estabelecimento, calhou vir com a mão direita num sítio que ele via todos os dias, mas que ainda não tinha visto como gratificante fonte de rendimento. E quem melhor do que o realizador para ter olhos para a coisa. Geraldo gritou pelo Ricardo e pediu quietude de estátua aos rapaz das luzes. Ricardo chegou com os óculos colados à prancha do argumento na dizer "o que é?". 
Estava encontrado o protagonista do primeiro filme pornográfico feito a meias entre um realizador austríaco quase surdo e um argumentista português que nos últimos tempos começava todas as conversas com um dramático estou a tentar deixar de ser maricas.
Ricardo exigiu mais tempo de pose de estátua ao moço. Disse-lhe que a partir de hoje, quando a câmara apontasse sobre qualquer ângulo daquele chão encardido com óleo queimado, ele que não esquecesse que quando falassem em Taco Bandeira estavam a falar dele, com ele ou para ele. 
Com a mão esquerda na prancha e a direita na caneta, Ricardo tremeu de alto abaixo, soava-lhe a obra prima, a ideia de criar um episódio chamado "A ternura dos quarenta centímetros". Taco Bandeira sorriu. Era um sorriso vaidoso. Aceitou o nome e o novo cargo de olhos fechados. De dinheiro se falaria mais tarde. Até porque Geraldo ia empurrado por uma velha, avisado do mal dos sustos na sanidade mental das pessoas.

4 comentários:

Helder Robalo disse...

Quando escreves um livro? Eu compro um exemplar pelo menos!!!

António Reis disse...

:) quando tiver um pouco mais de tempo. Obrigado amigo

Helder Robalo disse...

Fico à espera então ;)

Luisa disse...

Ainda bem que não sou a única a pedir um livro...

Bob Dylan

Aquele bendito instrumento musical, a máquina de escrever, e os seus botões de onanizar tímpanos, as teclas, corpos fora do corpo,...