29.3.10

Ainda há homens que casam com mulheres

Quando a música chegou ao fim naquela vez, o disco tinha tocado dez vezes. A música era o ar. Invisível como ele, sem cheiro, sem a menor hipótese de consideração palpável. E o coração, se o coração fosse igual aos pulmões, então o coração enchia e esvaziava, respirava música. O homem com coração melomaníaco teria de viver longe, numa terra de sonhos, no lugar onde  os sofredores vão de olhos fechados como se nos pés tivessem vagas e essas marés fossem um chauffeur com chapéu alto e fraque. Nessa aldeia as canções nunca chegam ao fim. O rio é o maestro. As árvores da avenida por onde se entra na terrinha tocam violino e o vento é o arco. Costuma haver velhos carros sem dono sentados ao piano, porque ao piano esquecem a pessoa que um dia foi embora e deixou o vidro aberto, com a chave dentro e a alavanca em ponto morto. Os candeeiros à noite misturam flautas e clarinetes. Há quem dance como se a dança fosse a cura a para a loucura. E há quem escreva sobre a evidência de haver  homens que ainda casam com mulheres. O Alberto já tinha feito matéria de prova. E ontem foi a vez do Fernando esperar pela Sandra num altar a meio do jardim. Ainda há homens que casam com mulheres, que as levam de volta à terra dos sonhos, ao dia que em as ilusões cabiam todas no interior de um vestido branco.

PS: obrigado sentido ao Fernando que nos arranjou duas extraordinárias noites pelo motivo de se ter casado

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