22.8.11

A picante história de um campo de futebol loiro

Existe liberdade absoluta nos campos amarelos à entrada de uma aldeia nas proximidades da fronteira transmontana com a Espanha. O tractor andou ali naquela descida antes do almoço, primeiro andou cem metros perpendiculares à rua, para dentro do campo, e depois andou mais sessenta metros paralelos à rua e depois andou no interior desse rectângulo todo, entre duas balizas que ali estão o ano inteiro e que agora nos surgem mais à vista, depiladas de todos os cardos, as balizas, mas também o campo. Andou ali o tractor e andou ali um homem com duas redes às costas, vestiu as balizas para o jogo do fim de tarde, a seguir ao calor, entre os solteiros e os casados de Prado Gatão.
Os jogadores estavam onde estavam os copos de plástico e a rulote cinzenta e máquina da cerveja. Mais do que beber para matar a sede, estiveram a beber para o dia baixar a temperatura para mais longe dos quarenta graus.
Saberão mais as mulheres deste assunto seguinte, e também o sabem os homens dos século XXI: nenhuma depilação é definitiva. O campo de futebol loiro é um tapete de raízes secas e cardos. A terra tem a firmeza da jornada lavrada. As chuteiras vão mais ao fundo e os pés picam, avisam para o perigo das quedas desta espécie de jogo que aí vinha de faquires. Onde não havia cardos, nem rancos nem palha, havia todas as variáveis da merda das vacas e dos cordeiros, seca e nem tanto.
Existe liberdade absoluta nos campos amarelos à entrada de uma aldeia. Os jogadores pousaram os copos na praça central e estão a chegar e estacionam os carros junto à linha lateral, as motorizadas avançam pelas quatro linhas como bolas à solta, uma delas cai rasteirada pela roda da frente. O solteiro que ia a guiar e que saltou pelo guiador vai jogar com sangue nos pés e com sangue na alma. Acho mesmo que todos os solteiros vão jogar assim. Eu, que nunca casei, ao abrigo da nova lei de transferências, jogo na equipa dos casados e tenho direito a uma camisola cor de laranja em lã e de manga comprida.
O encontro mais importante do ano começa quando o dia tem trinta e dois graus e dezoito horas e quinze minutos. Quando o dia tem trinta e dois graus e dezoito horas e vinte minutos e eu tenho dois dribles seguidos, só não chego ao terceiro porque tenho a mão de um médio nas costas e o bico do pé de um defesa no tornozelo. Antes de cair, chego a ter tempo de desejar a sorte de cair em cima da merda, mas infelizmente todas aquelas cambalhotas até parar foram cardos, foram prosas.
Voltei ao jogo na segunda parte. Empatámos dois dois com tremenda ajuda do apito no primeiro golo. Tivemos, às portas de Espanha, uma arbitragem à portuguesa.
Qual o melhor momento do encontro? O cordeiro na brasa, o palaçoulo na mão, a cortar a carne em cima da broa e o vinho tinto lavrado.

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