Disse lá vai ele. Hoje leva o casaco de ontem, o chapéu de ontem, por cima do cabelo por lavar de ontem, caminha com o mesmo caminhar de ontem, nos mesmos sapatos e vou jurar as mesmas meias pretas. De ontem. Os ricos tanto andam sempre de meias pretas que podiam usar sempre as mesmas, é até provável que as usem, os mais pobres de espírito, como este, o que vou seguir para ver onde vai, vou só pegar num xaile, tenho tempo de olhar ao espelho a nuca, de caçar o cabelo na rede, de tirar os dentes da boca, com tempo, porque ao ter apanhar o eléctrico de ontem, ele vai ficar sentado mais dez minutos da paragem, vai olhar para o chão, vai olhar o céu, sorrir aos pombos e eu, disfarçadamente como ontem, hoje não hei-de ficar à janela, hoje vou de eléctrico como tu, sentada ou em pé conforme tu estejas, descerei com os pés nos mesmos degraus, serei da cor da tua sombra, num tom mais transparente. Passo as gengivas pela água com elixir presa no lavatório, prendo os botões do casaco até cima, cuspo na sanita e ponho os dentes. Amarro um lenço na cabeça. Deixo as pontas caídas para trás e sigo em frente. Estás onde estavas e estás sentado. Não me pareces deste mundo. Disse, mas não ouviste. Disse para dentro.
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