19.1.10

ομπρέλα

O hotel acolhe a totalidade do número 8 da Rua Monastiriou, em Salónica. Oito portugueses avançam conversadores uns com os outros através do hall, na direcção do inverno grego, vestidos pelo rigor da estação. Enfrentam a temperatura negativa da manhã de dezembro com o sorriso mais positivo que o semblante consegue arranjar. Ao saírem do hotel, deixaram ficar a porta a aberta. Parece que são de Braga. E são mesmo. Vieram de Portugal no voo charter encomendado pelo clube da terra. Um outro português, observador e narrador desta história, decide aproveitar a embalagem da corrente de ar e sai de casaco fechado até ao nariz , nariz que a partir das dez da manhã vai passar a ser da cor da camisola do Braga. Ele, como é de Gaia, decide fechar a porta.
As portas podem ser o meio a utilizar para abrir Salónica e trazer parte da cidade a este texto. Porque porta-sim-porta-sim o comércio chama pela rua. E quando a rua decide não ir, o comércio decide trepar paredes. Isto não é uma figura de estilo. É a cidade que vende a não querer ser esquecida pela cidade que pode comprar. E eu, mesmo não sendo dali, nesse dia sou. Pelos menos ao olhos dos vendedores.
Esta parede em frente está decorada com casacos de pêlo, casados de pele e binóculos. Tem medalhas da tropa, tem capas de disco. Tem um homem velho sentado num banco mais velho. Ele tem olho para o negócio, repara em mim, puxa-me para dentro, conta que o outro olho ficou na guerra com uma só palavra: war, war.
Faço gestos para dizer o que quero. Ele gesticula para dizer que tem. Deixa-me uma camisola de lã nas mãos e não é isso. Devem ser os meus gestos. Volto a fazer devagar. Ele diz que sim, mas vem de trás do balcão com umas botas. Começa a falar muito alto e entra mais gente, todos pensam neste estrangeiro como alguém capaz de estar a tentar pôr a mão na caixa registadora. Não estava. Estava só a chegar a prateleira onde estava o que eu queria. Peguei, pousei o objecto. Levantei o braços como quem diz paz. Rocei o polegar no indicador e no dedo médio a perguntar quanto é. O homem com olho para o negócio abriu a mão direita para dizer que eram três euros. Calculei que os outros dois dedos tivessem ficado na guerra.
Esses dois dedos de conversa, constam de um episódio com mais de três anos. Regressaram a mim pelas portas da fortaleza de Valença, à porta de uma loja onde um vendedor boliviano aponta a pistola aos presumíveis clientes. A pistola é de plástico e faz ondas intermináveis de bolas de sabão. Aponta à minha namorada e eu disparo. Guardo o momento na máquina fotográfica. A seguir entro com ele na loja e compro, pela segunda vez na vida, um guarda-chuva(ομπρέλα ).

2 comentários:

Carla de Elsinore disse...

:-)

António Reis disse...

havia tanto a dizer sobre a importância dos sorrisos ;)

Bob Dylan

Aquele bendito instrumento musical, a máquina de escrever, e os seus botões de onanizar tímpanos, as teclas, corpos fora do corpo,...