29.1.10

O meu primeiro porno

O resto do prólogo
Tinha decidido chamar os bois pelos nomes quando fosse a hora de chegar ao trabalho. Ela não estava mais para aquilo. Entrou na taberna, a do Albano, a pequena, na esquina do fim da rua de casa, perto da paragem do autocarro, a de mesas compridas de madeira. Os presuntos fumavam, a lenha ardia, os homens fumavam e bebiam. Aquilo era uma nuvem, um pesadelo doméstico, um musculado exemplo da vida real. Aquilo era mau para a saúde de quem estava e mau para a vista de quem entrava. Ela passou para dizer que estava farta do emprego e que o ia dizer no minuto a seguir a ter picado o ponto. Foi lá para dizer ao marido que ia chamar os bois pelos nomes. Olhou em frente. Olhou para a direita, olhou para o fundo. Reconheceu-o pelos cornos, pensou, quando o chamou da porta. Américo foi à porta.
A carta do despedimento foi escrita de cabeça no banco que fica por trás do motorista. Era um discurso franco. Teria as palavras de todos os dias. Seria o modo mais cómodo de comunicar a saturação do horário entre a meia noite e as oito da manhã. É que aquilo era o cansaço no grau máximo e salário no enquadramento mínimo. Estava agradecida aos senhores pela oportunidade. Do fundo do coração.
Numa curva mais apertada, a cabeça voltou a desencostar e a bater no vidro. Os bois pelos nomes, os bois pelos nomes, terá dito entre dentes antes de voltar à condição em que dormitava. Aquele sonho já não era a primeira vez que a acompanhava no autocarro para a zona industrial de Pedroso. Sonhava que queria ser puta. Mas uma puta para dar na televisão. Dar na televisão isto é, dar nos filmes, nos filmes, mas não é do cinema, nos das cassetes de video, as cassetes com capas onde as zonas púbicas não andam muito longe do penteado do Marco Paulo. Sorria no sonho quando o sonho chegava a este ponto. Depois corava. A vergonha do que tinha para fazer na condição de puta era de igual forma à vontade com que atacava o primeiro que lhe aparecia pela frente.
Isto não é um hotel. Isto não é um hotel. Pois não é um filme para adultos. O motorista já não tinha paciência para as diagonais que o raio da mulher dava às conversas sempre que chegavam à porta da empresa de enchidos.
Oito da manhã. Oito da manhã. eram oito da manhã quando apertou o último chouriço. Foi ao escritório dizer à mulher do patrão que o podia enfiar por onde bem entendesse, lamentando à senhora o diminuto tamanho sexual do macho da entidade empregadora, solidarizando-se com patroa por todas as fodas de curta duração por necessidade extrema. Se só conseguia manter o posto de trabalho à laia de uma posição onde as pernas se lembram de quando a distância as fez separar, então que assim fosse. Aos 37 anos ia muito a tempo de fazer ver às mais novas.
Ao ir embora, o homem da caixa estava a acabar de meter setenta euros no envelope. Escreveu Samanta Fátima. Senhora de um nome á medida de qualquer catálogo xxx, com uma semana de trabalho na carteira, um homem a cheirar a presunto a roncar na cama lá de casa com uma boca em vinha de alhos, fazia com que uma cena de sexo filmada com um estranho numa garagem mal amanhada se assemelhasse a uma noite de amor num hotel de cinco estrelas. Mal podia esperar pelo baile debutante.

4 comentários:

francisco carvalho disse...

Tu dás-lhe, meu caro!

A soltar-se o ficcionista que há em ti?


abraço

Anónimo disse...

Um dia destes faço uma com"pilação" das tuas histórias! Faço um livro...E FICO RICO!!!

Aquele Abraço.

Pedro Lemos

António Reis disse...

olá amiguinhos! Obrigado pelo apoio (i)moral.
Abraço

Márcia Gigante disse...

Despojado de enfeites! Gostei!!

Beijo

Bob Dylan

Aquele bendito instrumento musical, a máquina de escrever, e os seus botões de onanizar tímpanos, as teclas, corpos fora do corpo,...