31.1.10

Carta a um desconhecido

A propósito do lenço que trazes ao pescoço
Tens droga nos olhos. Seguramente terás droga nos bolsos. Vestes um casaco verde da cor da tropa. Estás em pé no apeadeiro da Aguda, no lado poente da linha. [És um homem feio]. Ainda nem deves ter 40 anos . Estás à espera de gente que traga mais gente, de dinheiro que multiplique o dinheiro[É que és mesmo feio]. Essa cicatriz do lado esquerdo da cara, se é para meter medo, deixa-te ficar assim, virado como estás para mim. Escusas de me dar a outra face. Esse tom de pele é vermelho e moreno ao mesmo tempo. Isso deve ser doença.
Enquanto deixas o tempo passar, entre um e outro cliente, enquanto os comboios se fazem ao norte e ao sul, tu, que há muito perdeste o rumo, ignoras por completo a função primária do Keffiyeh enrolado no teu pescoço. Essa peça foi ocidentalizada por via da excessiva exposição televisiva e, cá entre nós, é vulgarizada ao nosso conhecimento com o nome do homem que a vestia todos os dias. Esse lenço Arafat não foi feito para andar ao pescoço . A moda do oeste fez com que ele descesse no corpo, mas o Keffiyeh foi inventado (e é usado nas origens) para proteger a cabeça da exposição solar directa.
Só estava a olhar para ti desta forma para te dizer que tens uma forma acessível de preservar a pele doente. Era só dobrar o Keffiyeh ao meio, na diagonal, para fazer um triângulo. Este sol inesperado de Janeiro não teria como te fazer mal. Como eu não olhava para te fazer mal.
O teu olhar está à espera de um movimento meu para agir. Tenho os braços presos no peso na tua ignorância. Morre ao sol.

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