12.3.10

Células mortas

mais um fascículo da colectânea O meu primeiro porno

Álvaro era o arquitecto da matemática dos afectos. Ia fazer 28 anos ontem. Não fez porque o companheiro de estrada, de tecto, de cama nem estava para aí virado. Foi perguntar à verdade, só para confirmar, e a verdade disse que o Ricardo tinha esquecido, por completo, devido a uma branca de tamanho superior ao de um porta aviões, o aniversário do namorado. Depois de ouvir a verdade, enquanto esteve sentado na sanita,  Àlvaro fez o caminho de volta para cama ao ritmo do cortejo que encaminha o caixão para a cova. Deitou-se de costas na campa. Puxou os cobertores só para sentir o peso da terra. O amor tinha acabado de morrer. Calhou a sepultura ter sido escavada no último lugar onde tinha acontecido a ligação dos corpos pela parte física.A junção humana não tinha atingido o toque invisível. Tinha sido só matéria. E ele a pensar no lugar dos livros das histórias felizes. A seguir aos eucaliptos, a descer para o rio, virado a poente, junto ao relvado mais penteado, para o baile dos sentidos.
Álvaro e Ricardo eram células mortas. Um mais um estava a ser igual a zero. Concluiu, confirmando a singularidade da matemática dos afectos. Na escuridão da tumba, puxar o cigarro para os pulmões fazia acender o vermelho. A dor parava. Mas nem assim o peão andava. Amanhã. Amanhã seria um bom dia para fazer 28 anos.

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