8.3.10

O meu primeiro porno

O reencontro de Ricardo com o corpo de uma mulher 

Instado a sair das calças, pelo teor da conversa, saiu sem ter perguntado ao dono se podia, se a altura era a mais adequada ou se a companhia do dono, apesar do tom erótico do diálogo, estava disposta a ver o homem que o rapaz guardava no interior de uns boxers justos em algodão. Assim saído, do conforto do lar, a parte mais masculina do corpo de Ricardo só aí se lembrou de pensar  se porventura não estaria a encarar o meio ambiente num local público. Não estava. Recuperou de uma flacidez instantânea para de novo se erguer sobre e exacto decote das nádegas de uma mulher mulata, deixado a nú entretanto pelas mãos atabalhoadas de Ricardo. Faltava ali qualquer coisa e ele não estava definitivamente a esquecer a ideia de que num corpo feminimo partes há que se subtraem e outras que se adicionam. 
A mulher, apoiada nos cotovelos, fez o que pôde para afastar a conversa da proximidade do esfíncter. Estava porém convertida a uma submissão imprevista, numa daquelas  situações onde se pressente que nao há nada a fazer. O apéndice frontal, esse que confere a Ricardo o estatuto de sexo maculino, aproveitou a altura exacta em que o rabo da senhora abriu mais a boca para dizer não. Ricardo sentiu-se chegado à terra prometida. A cidadã anómina já só esperava que ele não tivesse chegado para uma estadia de três dias com direito a pequeno almoço. Ao mesmo tempo, a experiência de mulher astuta também lhe dizia que o senhor que tinha acabado de entrar não iria resolver aquela questão com  uma investida de cinco minutos à Benfica. Tinha duas formas de encarar o momento: a bem ou a mal. Escolheu a primeira hipótese.
Ao volante encorpado de uma mulata quarentona, Ricardo, moço expedito era dotado de um raciocínio somatório. Uma coisa dava sempre lugar a outra. Neste minuto viu-se a pensar na segunda-feria de manhã, à cata de umas calças de ganga e uma armação para os óculos, no interiror de um bazar chinês. Ricardo era um rapaz de conclusões prontas. Sempre que a prontidão ficava em maioria nos vagueios do cerébro, o sexo dava de caras com o verbo acabar. Lançou a semente em terreno infértil. Da casa de banho, para o quarto,  disse, com as mãos e o detergente sobre a zona genital em quarto minguante. Lá disse no esfreganço, para a mulher, que em poucos anos o mundo ia ser todo duas coisas. Ela disse que sim mas também podia no fundo estar a dizer que não. Foi para lhe abreviar a conversa. E ele abreviou. Contou que em poucos anos o mundo ia ser quase todo homossexual e chinês, habitado em larga escala por pessoas com olhos em bico. Com três olhos em bico. Ela esteve tentada a dizer impropérios correspondentes em magnitude ao desplante do homem a quem ela tinha acabado de dar o flanco. Mas lá conseguiu guardar a pergunta debaixo da língua e nem deixou subir à zona cinzenta a questão segundo a qual lançava para o debate o porquê de ter deixado entrar aquele idiota.
Ricardo fechou a porta. Antes da porta tinha dado um beijo na cara. Antes do beijo na cara tinha lavado por fora aquilo que não conseguia lavar por dentro. Antes disso deixou-se rendido à evidência de que, por vezes, as entradas mais triunfais, acontecem pela porta das traseiras.

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