Porto - Faltam seis quilómetros para a última linha.
A quem vem desde o hospital de Santo António, a caminho do Palácio de Cristal, o lado direito da rua oferece, antes de chegar à curva, pelos menos dois mini-estabelecimentos especializados na venda de vinho a retalho. Vamos entrar no primeiro, pelo acaso de ter sido o primeiro a abrir a porta, ainda antes das oito da manhã, num domingo molhado, cinzento e de termómetro encolhido. É um pão com queijo se faz favor e um Sumol de laranja. Tudo bem, pode ser FriSumo de ananás. E era uma vez o jejum. Um café quando puder, deixe estar, termine de lavar a louça à vontade, depois traga também uma garrafa de água, natural, das pequenas.
Lindinha nunca saiu do metro e cinquenta de altura, passa o dia de um lado para o outro a gastar o chão dos quatro metros quadrados do balcão. O marido de Lindinha é o dono do tasco e quer-me parecer, o proprietário daquele par de vidas. Hoje tem o emprego de indicar o caminho da casa de banho aos homens e às mulheres que chegam para a maratona da cidade. Na soleira da porta, com vista os jardins do palácio, o senhor gestor do negócio e um amigo que se ainda não está bêbado vai ficar, confidenciam que o Tono picheleiro também vai à corrida. Vai o Tono e vão mais 7499, incluindo este.
Dizem que a descer todos os santos ajudam? Então os santos de nada servem, porque só ajudam quando não é preciso. Bonito era vê-los aqui, no lugar onde a prova arranca, disparada no tiro de partida da pistola, aqui com a subida da rua Júlio Dinis pela frente, tal parede para trepar em direcção aos céus, sem santos para dar uma ajuda, eles que por serem nove horas devem estar a acordar para o dia e já a pensar na melhor forma de ajudar à missa de domingo. O pó de açucar das bolas de berlim, na montra da Petúlia, significam o topo do cume. A partir daqui é em linha recta, menos na rotunda Boavista, e a descer.
Quem chegou mesmo em cima da hora partida foi a chuva, fraquinha, mas persistente, como um corredor de fim-de-semana, inscrito a troco de cinco euros na corrida dos seis mil metros, ou mini-maratona. O quilómetro um demorou tanto tempo a chegar, que quando chegou, julguei estar já a chegar ao Japão, mas afinal não. Eram apenas turistas nipónicos, aos magotes, de dentes à mostra máquinas fotográficas ao peito, perto da zona dos hotéis.
A meio do viaduto das Andresas, por cima da VCI, o sinal de meio caminho andando. Três quilómetros nas pernas, numa altura em que as portas psicológicas da caixa de ar tinha sido todas abertas com sucesso e relativa facilidade. O aquecimento em marcha cautelosa estava feito, os pés podiam bater com mais força no asfalto. As ultrapassagens sucediam-se ao ritmo de duas ou três centenas por quilómetro. Junto ao Pinheiro Manso, o trajecto reentrou na avenida da Boavista, para que daí a nada surgisse uma recta em versão xl e sempre a descer, antes da cortada à direita para o parque da cidade e para o fim da prova.
Acabou, num estalar de dedos. Sem dor. De burro, de joelhos ou outra. Devia ter investido mais 5 euros. Davam direito a mais sete quilómetros e davam uma outra justiça à forma física destas pernas. A esta hora, os membros superiores do mesmo corpo dirigem-se ao teclado e perguntam onde está o homem que nunca se levantava antes da uma da tarde ao domingo e que fumava mais de um maço de cigarros por dia. Está aqui, mas não é o mesmo. O tempo corre. Hoje acompanhei o tempo com o dorsal 5165. Ainda estou para entender porque se chama dorsal a um número que nos dão para pôr ao peito.
Seis quilómetros em 32 minutos. Ritmo de passeio. Não houve mais desenvolvimentos sobre a maratona xs do Tono picheleiro. Regresso ao local da partida à mesma velocidade. Menos uma bola de berlim na montra da Petúlia. Porto. A última linha, afinal marca quase 12 quilómetros.
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