Viena
Geraldo é uma história mal contada. É português, tem passaporte português, mas não tem cara de português. É alto e magro como nenhum português o é. É alto curvado e magro no osso. Por cá não há veias assim tão em cima do osso. A pele, num relato assim à pele, é pele para deixar a cal a duvidar da cor que tem. Geraldo orgulha-se do ar albino. É um homem de respeito, o mais educado dos senhores de todos os sítios onde esteja. Cá na terra, no café, em Londres ou Paris, nos lugares chiques ou nos espaços degradados. Geraldo era a diferença se a diferença fosse humana.
A voz grave não fala. Interrompe silêncios. Ela faz massagens aos ouvidos dos interlocutores. Em toda a parte do mundo. Menos ali, na garagem da terra. O filme está com um dia de atraso e dia a menos numa produção independente é o primeiro passo para o fim do projecto. O orçamento é tão difícil de aguentar como a erecção de oitenta e minutos da página 3 do guião. O Marcelo está de cabeça baixa. O Geraldo não tem mais um dia a perder e a cortesia habitual que se foda, o actor não vale um caralho ou então era mandar foder até não poder mais a gaja que escreveu o argumento. Levanta-te, ordenou. Não estaria à espera de uma reacção bíblica no lugar onde o pecado mora em regime de arrendamento vai para dois dias.
A falência de uma erecção transporta Geraldo para o lugar mais triste do mundo. No fim da rua a seguir ao Scotch Club, de frente para o Stadpark. Entrando por aí é contar 19 passos à direita. A uns bons dois metros de profundidade, a terra guarda pequenos segredos de um jovem adulto aspirante a realizador, com um nome difícil de esquecer. Geraldo Wolf.
O sonho do adolescente era dominar a técnica para dominar as câmaras. Hoje tem a sorte de poder vigiar vinte e quatro horas por dia o segredo do passado, porque foi instalada uma webcam no Stadpark, apontada ao Johan Strauss Monument em Viena. A câmara está disponível online.
O lado escondido de Geraldo Wolf permanece incógnito e aos olhos de toda a gente ao mesmo tempo. No computador onde mistura as cenas do filme porno, Geraldo constrói o futuro e controla o passado.
Viveu 23 anos em Vienna. Nunca se sentiu austríaco. Numa noite de bebedeira grossa foi ao pub com um plano na cabeça. Iria viver para o país do jogador que marcasse o primeiro golo do jogo que estivesse a ser transmitido. Quando o Futre pegou na bola, Geraldo já sabia que ia ser português. Os adeptos do Barcelona já tinham baixado a cabeça antes da bola ter entrado na baliza do Zubizarreta.
De cabeça baixa, Marcelo impede a gravação da cena onde a placa tinha marcado take 2.
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