Na projecção do filme, a tela abria a sala de cinema na direcção de uma rua semi-deserta. O tom sépia da imagem inicial era um plano aberto sobre uma cidade poluída. Este ou aquele adereço passam como notícia de rodapé a pretexto de sinalizarem um entardecer ventoso. Na beira do passeio, o cú rijo de um homem só confirma a temperatura negativa do dia sentado sobre o cimento cinzento às bolas pretas. As manchas escuras são pontos da história onde se diz era uma vez uma chiclete. O pés deste solitário calcam o chão calçados por umas botas grossas em pele de antílope. As pernas tremem à vez. De frio e de nervosimo. Os cotovelos estão nos joelhos, as mãos têm as palmas nas testa, quando os dedos já vão abrindo e fechando caminhos imaginários nos carreiros dos cabelos.
O único ser humano desta curta-metragem está a falar sozinho com a boca fechada. Arrepende-se em silêncio: do sorriso que não deu, da escolha errada de todas as palavras, da transmissão desarticulada de tudo o que tinha para dizer, da dor que causou, dos olhares que se evitaram, das lágrimas que os olhos choraram às escondidas, do beijo que ficou mais longe, do tempo que o dia perdeu. Hoje... Hoje foi o dia em que o amanhã não se deve inspirar.
Quando a projecção terminou, os dois únicos espectadores continuaram sentados. A tela, vazia de qualquer conteúdo, era algo mais do que uma metáfora.
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