Em todos os lugares há. Há nas cidades, na aldeias, há aqui e ali também há. O homenzinho a quem se chama Tono num lado, Quim no outro, a quem se chama o diminutivo do nome antes do adjectivo tolo, mas que se diz como se houvesse um hífen a ligar o tolo ao homem e vice-versa. Por estas bandas chamam-lhe Tono. Tolo, claro.
Nunca mais é quinta-feira, nunca mais é quinta-feira, nunca mais é quinta feira. Hoje é sexta. E o nosso António já perdeu a conta às quintas sussuradas entre os dedos e os lábios, ali para os lados dos botões da camisa de flanela. O pull-over tapava os ouvidos, mas assistia de olhos em bico.
António veste um casaco novo. Sabe de onde vem, porque os anteriores a este também vieram do aido frio da casa da falecida tia do Adolfo, nas traseiras do cemitério e da igreja. Em troca, Adolfo não quer mais do que a amostra dos tópicos do discurso que o Tono tolo há-de levar à assembleia de freguesia. Recebe duas ideias em primeira mão. Entrega um blazer azul escuro habituado aos ombros de 3 gerações da família Brandão. O último dono enlouqueceu quando as finanças juraram a pés juntos que na família, o dinheiro tinha dado lugar às dívidas. Temos portanto que o blazer não iria estranhar o cachaço do cliente seguinte, outro tolo, por sinal.
Tono vestiu-o no fim-de-semana. No domingo à noite pôs-se a pensar quando e onde o teria comprado. Na quinta-feira lá se lembrou, ao passar em frente à casa do falido Adolfo, a caminho da assembleia de freguesia.
Veio um com chave e entrou. Vieram mais três, bateram à porta e entraram. E deixaram a porta aberta para o resto dos constituintes e eventuais assistentes. Veio o povo, homens velhos. Mais um ou outra trintona. E veio o tolo, direito ao fundo da sala, acomodado de pé a um canto, vestindo um casaco que já tinha sido rico.
António Manuel Socorro. O primeiro nome da lista. Inscrito para subir ao púlpito e falar quando estivessem concluidos todos os pontos da ordem do dia.
Lá vai o Tono tolo. O pensamento percorreu a sala enquanto ele ia e todos foram trocando expressões resumidas num simples o que virá por aí. Veio isto:
- "Começo pelo escândalo da cegueira nos hospitais. Querem mesmo resolver os problemas? Então despeçam os oftalmologistas e chamem para resolver o assunto o senhor que é presidente da Vista Alegre.
E as Redes Eléctricas Nacionais? Era com dois penedos que se revolvia a questão, era? Quando muito, com dois penedos fazia-se electricidade estática. Mas foi bem pior. Foi um curto-circuito jeitoso.
Para já não falar na sucata. Um administrador de um banco, para mostrar que é poupado foi comprar um telemóvel à sucata e comprou um que tinha sido deitado fora por um polícia judiciário. O telefone tinha o vírus do defeito profissional e gravava sozinho. A coisa correu mal. E agora vai ser preciso uma maratona para ilibar toda a gente.
Pensam que os tribunais não têm mais nada para fazer? O carro do juiz não precisa de peças em segunda mão. Nem sei porque é que o senhor da sucata vai todos os dias ao tribunal. É uma perda de tempo. O juiz não vai comprar nada e as peças ficam a ganhar ferrugem.
Também já se diz por aí que o presidente da república não sabe mandar emails. Isso eu não acredito. Mandar um mail é tão fácil como, como, como... olha, como comer bolo-rei, por exemplo que o natal está aí à porta.
Deixem mas é as pessoas em paz. Porque quando o senhor andava na escola ainda não havia computadores. Bem, para dizer a verdade, quando o senhor andava na escola ainda não havia luz, quanto mais redes eléctricas nacionais. Depois admiram-se que ninguém saiba destas coisas..."
Quando o vogal apagou as luzes o Tono estava autorizado a dormir num dos bancos compridos. Não o fez sem antes mandar mais duas ou três frases para o tecto. Adormeceu a dizer que nunca lhe tinha passado pelo cabeça que um penedo pudesse ter filhos.
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