3.12.09

A palavra fim

O relógio vai ser obrigado a dar trinta voltas para trás. Para fazer doze horas vezes dois ao longo de quinze dias. Vamos a pé até ao passado, que este é recente e só foi há duas semanas.
À medida que Zurique se vai aproximando das rodas do avião, caminha para o fim o primeiro episódio da série 1 de Californication. O Ipod está preso entre os dois apoios de cabeça dos bancos da frente. É agasalhado por uma capa de silicone, feita à medida e com a intenção óbvia de servir de apara quedas: é uma espécie de salva-vidas para gadgets. Modernices.
A viagem a Zurique foi marcada com o propósito de ir ver a sorte futebolística de Portugal a caminho da África do Sul. Um assunto de nível mundial. Coisas da Bola.
Às voltas com um discurso redondo, o pensamento circula pelas décadas antepassadas, quando os portugueses desembarcavam aos jorros, aviões fora, e procuravam na Suiça, aprender coisas simples como qualidade ou segurança, em francês ou em alemão, visto que em Portugal, essas palavras eram de circunstância, sem significado prático.
Em cada uma das três noites em Zurique, nas horas a seguir ao jantar, fomos caminhar pelas ruas desertas, mas profundamente belas, da cidade. Numa dessas três noites, escolhemos andar pelas artérias sugeridas pelo taxista que nos trouxe do hotel para a baixa. Era um homem grande. Conduzia um jipe antigo com cheiro a Marlboro. Tinha o cabelo a fugir para o comprido e o bigode a fugir do lábio de cima para o lábio de baixo. É isso, o motorista de táxi tinha ar de motard. Era simpático, dizia-se pasmado com a qualidade do meu inglês. Falava da língua inglesa. E eu, que sou dado a equações mentais instantâneas, somei english mais Zurique e as páginas tantas já estava nas páginas do Assassino Inglês, de Daniel Silva, e olhava pelo vidro, a ver se reconhecia os sítios por onde tinha andado Gabriel Allon.
O meu camarada de trabalho, desperta-me daquela conta de somar ao introduzir na conversa a emigração portuguesa para a Suíça. Recorda um casal de amigos dos pais. Viviam no interior de Portugal e quando se reformaram tinham à espera na aldeia portuguesa um casarão de traço helvético. Disse-me que viviam nos anexos e que só utilizavam a mansão nos dias, escassos, em que recebiam visitas. Ainda me disse que na sala e nas outras divisões, os tapetes e os sofás estavam plastificados, para não estregar. Portuguesinhos, balbuciei de imediato. Modernices dos anos oitenta, suspirei em seguida. Para me recordar imediatamente da capa de silicone do meu Ipod. Vai já para o lixo. Quero admirar a beleza toda deste objecto de design. Se estragar, estragou. Quando estragar, estragou. Não há que ter medo da palavra que chega sempre em último lugar e que diz fim.

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