take 1
A actriz principal tropeçou na ternura dos quarenta algures em 1979. No primeiro dia em que cá veio, bateu à porta e vinha bêbada. O rapaz que segura o único holofote do estúdio foi ver quem era, sorriu e disse-lhe educadamente que a senhora devia vir ao engano. Não, Não. Tinha ela ouvido uma conversa ontem à noite, entre dois homens e uma grade de cerveja no único café da terra. Vinha cá porque queria. E os dez euros por cena dos quais tinha ouvido falar davam jeito para comprar comida para os gatos. De pronto, virada para um embasbacado director, disse que ia fazer sessenta e nove. O realizador daquela garagem fria lá tentou argumentar que essa era uma idade para estar em casa. Mas como era bom coração prometeu-lhe um euro por dia para limpar os cenários, isto é, a gararem, no final de cada sessão. Ela zumbiu que nem pensar. Que sessenta e nove era para pôr na boca e deixar pôr na boca. Porque idade ela já contava uns meses para lá de setenta e dois.
Realizador com coração mole em negócio teso arrisca a falência em três tempos. O Geraldo mudou o argumento ao filme e introduziu um capítulo no futuro. Onde uma velha cuidava dos gatos e da hortênsias num campo atrás da garagem. Depois volta e meia a imagem desfocava, como se viesse à ideia da velha os dias férteis dos homens duros. Elvira gravou tudo à primeira e fez por merecer os dez euros em três horas. Não precisou de tirar a roupa. Esteve sozinha em cena.
Faltava quem desse o corpo ao manifesto do flash-back inventado pelo Geraldo. Quando bateu à porta, já vinha só de robe bordeaux, a estrela da cinemateca caseira, ela mesma, Júlia Dinheiro, nome de rebaptismo profissional, com olho para o negócio e na esperança de que ele se endireite.
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