3.12.09

O filho mais velho do leiteiro

Mesmo que no começo, como está a acabar de acontecer, haja um recurso insistente a palavras como veloz, rápido, depressa ou até mesmo supersónico, não há-de ser por aí que estas linhas vão conseguir fugir ao destino. É fatal como o destino, que não a consigam fazer, a tentativa de fuga ao inevitável.
Como em tantas passagens do livro do século XXI, esta página também contém o antes e depois do 11 de setembro de 2001. A história de hoje vai preferir contar a evolução cronológica em marcha atrás e estacionar a narrativa numa rua de paralelo. Vem, com um carrinho de mão nas duas mãos e à frente das duas pernas, o homem a quem chamam de Bin Laden. Hoje tem a barba cortada. O cabelo também foi à tesoura, antes de ser penteado em partes democráticas -tanta coisa para dizer risco ao meio. Quem o vê hoje pela primeira vez, vê-se e deseja-se para compreender o porquê de se chamar Bin Laden a um pobre errante, cuja mente deixou de funcionar nas perfeitas condições vai para mais de quarenta anos.
Óleo, continua a faltar óleo ao carrinho mono-roda. Estridente no paralelo, Bin Laden levanta com as mãos, empurra e carrega o meio de transporte cuja chapa já foi chapa e agora é ferrugem prestes a passar a ser pó. Leva no carrinho uma velha tábua de passar a ferro. Não é assim que vai o consertar, concerteza. Leva umas quantas barras de ferro velho e leva um monitor de computador, uns cabos e um teclado. Ligasse ele aquilo tudo, ou a aquilo tudo, fizesse ele uma visita ao google e escrevesse Bin Laden e ficaria a saber que antes de ter ido ao barbeiro, a cara dele era a cara chapada do homem mais procurado do mundo. Oito anos depois do 11 de setembro ele, que é o filho mais velho do último leiteiro da freguesia, ele ainda não sabe do ar terrorista que a junção de nariz, queixo, olhos e pêlo fazem naquela cara.
Antes do 11 de setembro de 2001, ele já sabia de ser parecido, no que diz respeito ao rosto, com o filho único de deus. Cabelo e barba selvagem. Lá na terra, as pessoas pediam a outras pessoas para não dizerem que aquele maluco tinha cara assemelhada à de Jesus.
Nem antes, nem depois. Nunca. Ele nunca se achou um cristo. Esta tarde, a dois quilómetros do sítio onde o tinha visto pela última vez, o homem a quem ninguém fala, mas a quem chamam, quando estão para o chamar mais ou menos pelo nome, de Beto Leiteiro, seguia de carrinho de mão numa estrada de asfalto. Desta vez levava uma velha máquina de lavar roupa. Qual o melhor detergente para dar brilho a esta história?

Sem comentários:

Bob Dylan

Aquele bendito instrumento musical, a máquina de escrever, e os seus botões de onanizar tímpanos, as teclas, corpos fora do corpo,...